São Paulo, 16 de abril de 2008.

Senhores Dirigentes da A.E.M.S.P.

A Associação dos Escriturários Municipais de São Paulo completará 60 (sessenta)anos de atividade  no próximo dia 27 de outubro, eis que ela foi fundada em 27 de outubro de 1948. Infelizmente, não há muito motivo para comemoração. Nos chamados "anos de chumbo" da década de 70, a Associação dos Escriturários Municipais de São Paulo destacou-se como uma das mais combativas entidades de classe do funcionalismo público brasileiro. Havia uma intensa participação dos integrantes da carreira, bem como dos aposentados. A carreira, também, tinha outras características, pois, por linhas de acesso, era possível ao escriturário chegar a Chefe (equivalente a atual diretor) de Divisão Administrativa. Em quatro décadas, muita coisa mudou. Infelizmente, não foi para melhor, do ponto de vista do funcionalismo. A Associação dos Escriturários Municipais de São Paulo, assim como todas as suas co-irmãs que se destacavam pelo caráter reivindicatório, estão, hoje, decadentes, em que pese os ingentes esforços e os sacrifícios dos seus dedicados dirigentes. Nos últimos dez anos, o quadro associativo da AEMSP ficou reduzido a 25% (vinte e cinco por cento) do que era. Houve perda de 75% (setenta e cinco por cento) dos associados. Até o vocábulo "escriturário" caiu em desuso, e, hoje, faz parte da recordação de saudosistas. Para as novas gerações, "escriturários" deve se assemelhar a algo próximo do "amanuense", do "meirinho", do "bedel", e outras denominações de cargos e funções que foram sendo substituídas. Desde o malfadado governo Collor de Mello, no inicio dos anos 90, um intenso movimento neo-liberal tem assolado este Pais. Para muitos que dedicaram sua vida profissional ao serviço público, todavia, os últimos anos devem ter parecido o fim do mundo. O nicho seguro e estável que aparentava ser a carreira escolhida, dentro da Administração Pública, mostrou-se edificado em base movediça e porosa, incapaz de resistir a maiores abalos. Os fundamentos para essa aparente segurança -  a estabilidade no serviço e a aposentadoria integral - acabaram sendo "flexibilizados" ou "relativizados".Tudo isso fez parte de um contexto histórico, de natureza cíclica, que grande parte dos servidores atingidos não tinha meios de avaliar. Esses servidores sabem, porém, que sua vida profissional piorou muito, em todos os sentidos, na década de 90, e nesta primeira década do Século XXI, especialmente nos últimos anos. Mas como começou tudo isso?
Apesar dos esforços isolados de algumas poucas figuras, no segundo Império e na República Velha - Mauá, por exemplo - a verdade é que o processo de industrialização do Pais, em bases modernas, foi iniciada no período Vargas, com a intensa participação do Estado. A implantação das siderurgias e das hidrelétricas - setores básicos considerados essenciais para iniciar o processo de industrialização - foi bancada pelo estado, uma vez que os capitais privados mostraram-se insuficientes ou desinteressados em alocar grandes investimentos que teriam retornos relativamente lentos. A participação do estado na economia brasileira se intensificou e chegou ao ápice durante o regime militar, reforçada pela crença de que o controle direto de setores estratégicos da economia - siderurgia, geração e distribuição de energia, telecomunicações e a então incipiente indústria da informática eram vitais para a soberania nacional. Houve um efetivo processo de ampliação e modernização das bases industriais e da infra-estrutura viária, portuária e aeroportuária, bem como nas telecomunicações, obtidas, em grande parte, pelo fácil acesso aos financiamentos internacionais. Começou, nessa época, a escalada do endividamento externo do Pais. Os anos oitenta foram dominados, no cenário internacional, por Margareth Thatcher, na Inglaterra e por Ronald Reagan, nos Estados Unidos da América, cujos governos foram marcados pela desmontagem do "estado do bem-estar social" (Wellfare state), com violentos cortes orçamentários dos investimentos na área social. Esses dois lideres passaram a preconizar o chamado "estado mínimo", com o entusiástico apoio da midia mundial capitalista, inclusive no Brasil. Esse processo de retorno à concepção do "estado mínimo" foi batizado de neoliberalismo. A década de noventa foram os anos dos "Fernandos", no Brasil Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso - que passaram a aplicar, diligentemente, o receituário neoliberal para a redução do estado: as privatizações e os cortes dos investimentos sociais. Tudo isso temperado com elevadas taxas de juros, como forma de atrair investimentos financeiros e "enxugar" o consumo, de forma a produzir excedentes exportáveis. O advento do Governo Lula da Silva não trouxe mudanças fundamentais no cenário econômico, embora tenha inaugurado uma era marcada pelos discursos de cunho social, além de um notável incremento do assistencialismo estatal. A economia, porém, permanece sob a égide do neoliberalismo. Ocorre que ao pretender criticar a presença do estado na economia, que se considerava excessiva, os neoliberais, com o maciço apoio da grande imprensa, elegeram o funcionalismo público como bodes expiatórios, por ser a face visível dessa presença. Começou aí a campanha visando a reduzir os supostos privilégios da classe que ainda não perdeu o impulso inicial e continua em pleno desenvolvimento. O pior é que os próprios governantes passaram a acreditar, aparentemente, no "marketing" negativo que eles mesmos idealizaram. O profissional que pretenda iniciar sua vida no serviço público não mais poderá contar, doravante, com a estabilidade, a não ser em algumas poucas carreiras inerentes a funções típicas do estado: diplomacia, segurança pública, representação jurídica, magistratura ou o ministério público. Mesmo nas funções típicas de estado, está prevista a possibilidade de desligamento por "ineficiência" ou por "excesso de quadro". A aposentadoria integral por tempo de serviço, dentro de poucas décadas, talvez venha a ser lembrado como um dos improváveis "mitos do passado". Por outro lado, o aceno pela modernização, dignificação e profissionalização da função pública não saiu, até agora, do discurso, do palavreado vazio. Muito pelo contrário, é impossível falar-se em dignificação ou profissionalização da função pública, quando os detentores de cargos e funções públicas vêm sofrendo, no período do Plano Real, a um dos mais acachapantes processos de achatamento salarial de que se tem notícia. Com a alegação de que o Plano Real propiciou ganhos salariais efetivos, não foram concedidos reajustes gerais de vencimento há vários anos, na União e em grande parte dos Estados-membros e de Municípios. O que se observou, sim, constitui uma verdadeira redução salarial contínua, apesar de a Constituição assegurar a irredutibilidade dos vencimentos, ressalvada a única hipótese de os vencimentos virem a ultrapassar o "teto" geral estabelecido, correspondente aos subsídios percebidos, "em espécie", por ministro do Supremo Tribunal Federal. A redução dos vencimentos pode assumir uma forma direta ou formas indiretas. Os vencimentos são reduzidos diretamente com a redução do valor nominal atribuído a determinado cargo ou função, na tabela salarial. As formas indiretas tomam diversas feições: uma delas é deixar de conceder o reajuste salarial, na mesma proporção da perda do valor aquisitivo da moeda, num dado período. Nesse caso, o valor nominal permanece mas o valor efetivo sofre a perda correspondente ao da desvalorização da moeda insuficientemente compensada. Uma segunda forma é a instituição ou o aumento do valor de descontos e contribuições, mantendo-se a mesma base nominal dos salários e vencimentos. Nesse caso, ocorre a redução direto dos vencimentos líquidos. Em ambos os casos citados, mantém-se, aparentemente, o valor nominal bruto dos vencimentos. Mas será que esse é o valor jurídico defendido pela Constituição? Será que a Constituição estaria mais preocupada com a "aparência de legitimidade" ao invés da "legitimidade efetiva"? E se a questão consiste, apenas, em manter as aparências, onde fica o Princípio da Moralidade Administrativa nesse reino de hipocrisias? O irônico em tudo isso é que as empresas que constroem obras, fornecem bens ou prestam serviços para órgãos ou entidades da Administração Pública, tem integralmente preservado o equilíbrio econômico financeiro inicial, nas condições efetivas da proposta apresentada na licitação. A preservação desse equilíbrio econômico financeiro do contrato assume três formas distintas: um reajuste anual, para repor uma previsível perda do poder aquisitivo da moeda; uma recomposição de preços que pode ser induzida por processo de revisão contratual, quando ocorrer fatos imprevisíveis, fatos previsíveis mas de conseqüência inestimável, ou, ainda, o "fato do príncipe". E, por fim, a correção monetária, quando ocorrer atraso no pagamento a ser efetuado pelo órgão ou entidade contratante. Os salários e vencimentos, que têm uma natureza alimentar, não contam com esse arsenal protetor, limitando-se a um dispositivo isolado que os preserva de uma possível redução. Ocorre que a proteção que se confere contra a redução de vencimentos é encarado apenas pelo seu aspecto formal e aparente, e não pelo seu aspecto essencial, de conteúdo. Enquanto não mudam as mentalidades, assistimos a um verdadeiro festival de hipocrisias, não obstante salários e vencimentos sofram reduções efetivas a cada dia, a cada mês, a cada ano, no seu valor real, e "inventam-se" novos descontos e contribuições. Quando se fala em "enxugamento" do estado, deveria haver uma contrapartida obrigatória: o núcleo remanescente de servidores que permanecesse a serviço do estado deveria ser constituído de profissionais altamente motivados, profissionalizados e, obviamente, muito bem remunerados. Até agora, não vimos qualquer movimentação nesse sentido. Muito pelo contrário. A campanha difamatória contra os profissionais do serviço público continua a pleno vapor, enquanto "gênios criativos" idealizam novas formas de abocanhar parcelas cada vez maiores dos já reduzidos salários e vencimentos do funcionalismo, apenas com o intuito de equilibrar o caixa de instituições mal gerenciadas e semi-falidas. E chegamos, possivelmente, ao fundo do poço. A revisão anual de salários, que muitos julgavam um conquista quando da promulgação da emenda constitucional que o estabeleceu, deu lugar a verdadeiras manifestações de escárnio à classe, com as "revisões" 0,01% - um centésimo por cento que, para grande parte dos "aquinhoados" não chega a ter uma expressão monetária. Atingir o fundo do poço, porém, pode significar um ponto de apoio para que possamos dar um impulso para cima. Chegou a Hora da Virada, de invertermos esse insano movimento que tem empurrado o funcionalismo cada vez mais para baixo, nos últimos 20 anos.

MIGUEL SOARES CASSIANO - Presidente do Conselho Deliberativo da A.E.M.S.P.

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